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domingo, 24 de julho de 2011

Processos de Produção Textual, Análise de Gêneros e Compreensão (Antonio Marcuschi) - Resenha

           Marcuschi (2008) realiza uma breve análise do desenvolvimento da linguística no século XX. Parte da leis, estabelecidas pelos neogramáticos e comparatistas, que serviram de base para as dicotomias de Saussure. Estabelece o surgimento das perspectivas funcionalistas e do cognitivismo e situa os desmenbramentos teóricos do estudos linguísticos no final do século XX.
          Tais desmembramentos caracterizam-se da seguinte forma: a identificação do objeto da linguística representada pelo sistema, constituindo um conjunto de dicotomias; a guinada da pragmática oferecendo novos paradigmas de análise da língua; o surgimento da sociolinguística tendo em parte mantido-se no contexto dos estudos formais; a visão dos estudos de natureza discursiva e as condições de enunciação e a afirmação do compromisso cognivista trazendo a preocupação com a natureza da linguagem sob o ponto de vista de seu estatuto cognitivo.
           Apresentada  a sistematização do percurso da linguística, Marcuschi (2008:41) mostra que “a linguística no século XX não foi simplesmente estruturalista nem gerativista, mas muito mais matizada e rica em perspectivas.”
           Estabelece-se, como resultante destes elementos, a comparação dos focos na visão da linguística estrutural e funcional, sem postular, contudo, uma dicotomia estrita entre funcionalismo e formalismo. Assim, postula o autor sobre essa relação (2008:43):
 “O aspecto mais importante aqui é que a análise estrutural envolve questões de relevância funcional no sistema linguístico e que a análise funcional revela estruturas de uso, de modo que em ambos há aspectos funcionais e estruturais. O problema está, por um lado, na ênfase e, por outro, na forma de priorizar os dois aspectos.”
          Indaga-se: quando se ensina língua, o que se ensina? Trata-se de uma questão que especula como se dá o ensino da língua. Segundo Marchuschi (2008: 50) “o ensino, seja lá qual for, é sempre o ensino de uma visão do objeto e de uma relação com ele.” 
          Quando ensina-se algo, parte-se de uma motivação, direcionada para a produção do objeto, bem como, da relação. Desta forma, apresenta-se uma pluralidade de teorias linguísticas direcionada a motivo e não é possível se dizer qual é adequada ou não.
          Já é consenso entre os linguistas, tanto os teóricos como os aplicados, que o trabalho com a língua na escola deva dar-se através de textos. Os PCNs também disseminam essa ideia e há boas razões para ser ver a língua nessa perspectiva. Marcuschi (2008) justifica a adoção do texto (falado ou escrito) como fonte de ensino porque o trabalho com o texto não tem limite. Pode-se trabalhar vários aspectos linguísticos e possibilitam uma potencialidade explanatória. O autor alerta para que o texto não torne-se uma espécie de panaceia geral para todos os problemas da língua.
          A escola, atualmente, tem como missão primária dar prioridade à língua escrita. Ela é muito importante para a formação do aluno, mas não se deve esquecer que a oralidade não pode ser posta de lado.  É possível trabalhar os aspectos da língua por meio de textos, como forma de acesso natural à língua, explorando a oralidade e a escrita.
         Questiona-se: quando se estuda a língua, o que se estuda? Prioriza-se, primeiramente, a definição da expressão “ensino da língua”,  uma vez que aluno já sabe a língua e encontra-se  num processo de aquisição que acontece naturalmente. Segundo a autora Lopes (Apud Marcuschi, 2008), um dos objetivos da aula de Português é desenvolver a competência comunicativa. Posição essencialmente similiar a essa é defendida por outro linguísta, Fonseca (Apud Marcuschi, 2008):
"Direi, então, que a aula de língua materna visa, naturalmente, o desenvolvimento da competência comunicativa e matalinguística/metacomunicativa do aluno, desenvolvimento esse (e importa sublinhá-lo) fortemente orientado para que o aluno use melhor a sua língua – não apenas como aperfeiçoamento do domínio de estruturas, de correção gramatical, mas também e sobretudo, e como obtenção de sucesso na adequação do acto verbal às situações de comunicação.”
          Nesse sentido, uma das formas de trabalhar esta competência é levar para a escola situações escritas e orais que acontecem no dia a dia. Proporcionar aos alunos questões de argumentação e raciocínio crítico. É preciso valorizar a reflexão, partindo do ensino normativo para um ensino reflexivo.
          Quando o aluno chega à escola ele já possui uma competência comunicativa. Portanto a escola não ensina a língua, mas formas de fazer uso dela nas ações corriqueiras de escrita e oralidade. O foco de trabalho da língua portuguesa é o contexto da compreensão, análise e produção textual.
Marcuschi (2008) ressalta que mesmo com propostas sociodiscursivas, a gramática também tem lugar na escola, pois não há língua sem gramática. O que não deve ser feito é dizer que análise da língua se limita a sintaxe, condicionando a língua a algo muito delimitado. E como postula o autor (2008:57-58):

“os aspectos textuais e discursivos, bem como as questões pragmáticas, sociais e cognitivas são muito relevantes e daí não se pode evitar considerar o funcionamento da língua em textos realizados em gêneros.”
          Para estabelecer a noção de língua, texto, textualidade e processos de textualização; o autor indica que a adoção da concepção de produção textual abordada aqui é a sociointerativa. Para ele, é muito importante definir os conceitos de língua e de texto com o qual se trabalha.
          Nessa perspectiva, apresenta a língua de quatro formas diferentes:
a) Forma ou estrutura : a língua é vista como um sistema abstrato de regras e é trabalhada no nível da frase ou de palavras isoladas. O texto também situa-se no uso do sistema. Posição assumida pela visão formalista.
b) Como instrumento : desvincula a língua do seu aspecto cognitivo e social. Ela é vista com um instrumento transparente e sem problemas. Esta perspectiva é geralmente adotada em livros didáticos, quando tratam os problemas da compreensão textual. Posição assumida pela teoria da comunicação.
c) Como atividade cognitiva: vê a língua somente como uma atividade cognitiva, descartando seu lado social. A língua envolve fenômenos cognitivos, mas ela não é penas algo biológico. Posição assumida pela hipótese sociocognitivista.
d) Como atividade sociointerativa situada: toma a língua como sociohistórica, cognitiva e sociointerativa.
          A perspectiva de língua adotada por Marcuschi (2008) é a “d”, chamada de textual-interativa. Ele toma a língua como um sistema de práticas cognitivas abertas, flexíveis, criativas e indeterminadas quanto à formação ou estrutura. Resumindo, a língua é um sistema de práticas sociais com a qual os usuários agem e expressam suas intenções, adequadas a cada circunstância. Assim, falar é agir sobre si, sobre os outros e sobre o mundo. Além de comunicarmos algo quando falamos, produzimos sentidos, identidades, imagens, experiências e assim por diante.
          A noção de língua adotada admite-a como variada e variável. A variação linguística pode ser explicada nas relações sociais. Marcuschi recorre a Renate Barttsch (Apud Marcuschi 2008) para expor os aspectos dessa variação ou heterogeneidade. Desta forma, a língua é heterogênea, pois a população brasileira não é homogênea. Encontra-se na linguagem do dia a dia estilos diferentes da linguagem mais técnica. Verifica-se, ainda, que a língua possui regras variáveis, seja na fonologia, morfologia ou semântica.
         Esse apecto da língua enquanto heterogênea permite admitir que:
- é um sistema simbólico e indetermidado sintática e semanticamente;
- não é exterior ao falante, sua autonomia é relativa;
- recebe sua determinação a partir de um conjunto de fatores definidos  pela  condições
  da prática discursiva;
- é uma atividade social, histórica e cognitiva,  seguindo  convenções  de  uso fundadas
  em normas socialmente instituídas.
          Com base no que foi visto até aqui, Marcuschi  (2008) fundamenta que a língua:
a) se manifesta em textos triviais do cotidiano e em textos mais prestigiosos;
b) o uso se faz em eventos discursivos e não em unidades isoladas;
c) é intriseco ao discurso;
d) muitos fenômenos do funcionamento da língua são propriedades do discurso;
e) entre os fenômenos estão as relações interfrásticas como: as sequências conectivas, as sequências anáforas e outras.
f) os enunciados em um texto não são aleatórios, mas regidos por determinados princípios de textualização locais ou globais.
g) um texto não se esclarece apenas no âmbito da língua. Ele precisa de aspectos sociais e cognitivos para ser entendido.
          O autor admite que a língua é uma atividade interativa, social e mental. Por conseguinte, postula mais algumas considerações sobre a língua. Assim, uma mesma forma pode funcionar com várias significações, tem-se aí alguns casos de ambiguidade e apresenta o exemplo: “Presidente Lula aceita falar sobre crise na TV”, sem ler o restante do texto não se pode verificar se a crise é no governo ou na televisão brasileira. 
          A função mais importante na língua não é a informação, mas inserir os indivíduos em contextos sócio-históricos e permitir que eles se entendam. A língua é uma forma de ação que se desenvolve colaborativamente entre os indivíduos da sociedade. Contudo, não se nega a individualidade, mas se afirma que as formas enunciativas e as possibilidades de enunciação não emanam do indivíduo isolado, e sim, do indivíduo numa sociedade e no contexto de uma instituição.
          Para muitos autores, a reflexão sobre o funcionamento da língua em sociedade depende da noção de sujeito. A questão levantada por Marcuschi (2008) é: o que caracteriza o sujeito enquanto ser humano? Sua natureza, os aspectos sociais ou fatores ligados ao inconsciente?
          Para Possenti (Apud Marcuschi 2008): tratar de sujeito é responder à relação entre quem fala e o que é falado. Neste caso, tem-se três respostas possíveis:
1) Numa delas se responde “eu falo” – acredita-se que o falante agrega ao enunciado algum ingrediente relevante para a interpretação. O enunciado está marcado pela subjetividade e o sujeito da enunciação é responsável pelo enunciado. O sujeito faz história, assim como produz sentidos.
2) Nessa concepção o indivíduo não é o que se pensava, defende-se que o falante não pode controlar o sentido do seu enunciado. Sua consciência, quando existe, é produzida de fora e ele não pode saber o que faz e o que diz. Sob essa perspectiva, temos a expressão “fala-se” ao invés de “eu falo”. Usa o “se” para fazer a enunciação. É um sujeito anônimo, repetidor e torna-se difícil que o falante diga algo que ainda não tenha sido dito. O sujeito não fala, é um discurso anterior que fala por ele.
3) Outra possibilidade apresentada pela psicanálise diz que quem fala é o nosso inconsciente, mesmo que rompa censuras que o ego não quer. Neste caso, novamente, o sujeito não é consciente, não controla o sentido do que diz.
          As concepções de sujeito apresentadas não é a que desejamos adotar. O sujeito que visamos é aquele que ocupa um lugar no discurso e que se determina na relação com o outro. Possenti acrescenta, ainda, que o sujeito não é a única fonte do sentido, pois ele se inscreve na história e na língua.
          Sabe-se que a comunicação linguística não se dá a partir de frases isoladas, mas através de unidades maiores, ou seja, textos. Conforme Marcuschi (2008) o texto é o resultado de uma ação linguística e suas fronteiras são determinadas pelo mundo em que ele está inserido. Ressalta, ainda, que o texto pode ser tido como um tecido estruturado, uma entidade significativa, uma entidade de comunicação e um artefato sócio-histórico.
          É possível se dizer que o texto é uma (re)construção do mundo e não uma simples refração ou reflexo. Bakhtin dizia que a linguagem ‘refrata’ o mundo e não o reflete. Assim, também, o texto refrata o mundo na medida em que o reordena e o reconstrói. Marcuschi privilegia o conceito de Beaugrande (1997) para texto, que o inistitui como um evento comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas.
          O texto se dá como um ato de comunicação unificado num complexo de ações humanas e colaborativas. Refinando esta visão podemos, com Beaugrande (1997), frisar as seguintes implicações:
1. o texto é visto como um sistema de conexão entre vários elementos: palavras, sons, imagens, contextos etc;
2.  o texto é um construído numa orientação multissitemas e o texto se torna multimodal;
3. o texto é um evento interativo e não se dá como um artefato solitário, sendo um processo de co-produção;
4. o texto compõem-se de elementos multifuncionais como as palavras, sons, imagens e deve ser processado com esta multifuncionalidade.
         Para Beaugrande (Apud Marcuschi 2008)  “As pessoas usam e partilham a língua tão bem precisamente porque ela é um sistema em constante interação com seus conhecimentos partilhados sobre o seu mundo e sua sociedade.” É nessa ideia que Marcuschi se apóia para fundamentar o estudo das condições sociocomunicativas identificadas nos processos sociointerativos. Nesse sentido, o autor esclarece (2008:81):
“O que aqui está em ação é um conjunto de sistemas ou subsistemas que permitem às pessoas interagirem por escrito ou pela fala, escolhendo e especificando sentidos mediante a linguagem que usam.”
          Por conseguinte, o autor desenvolve a relação entre texto, discurso e gênero. Defende que não é interessante distinguir rigidamente texto e discurso, pois a tendência atual é ver um contínuo entre ambos com uma espécie de condicionamento mútuo. Marcuschi recorres às abordages de Antónia Coutinho (2004) e Jean-Michel Adam (1999) para sustentar esta afirmação.
         Coutinho observa que texto e discurso são considerados aspectos complementares da atividade enunciativa. O discurso seria o “objeto de dizer” e o texto o “objeto de figura”. O gênero é aquele que regula a atividade da enunciação. Os textos seriam “produções linguísticas atestadas que realizam uma função comunicativa e se inserem numa prática social.”
           Essa visão é contrária a posição de Adam (1990) que considerava o texto uma unidade abstrata na qual se tinha em mente o fato linguístico “puro” sem suas condições de produção de acordo com a fórmua propota pelo autor:
          Em 1999, Adam retoma sua concepção de texto e passa a inseri-lo em um contexto das práticas discursivas sem dissociar a sua historicidade e suas condições de produção. O contexto é mais do que um simples entorno e não se pode separar o texto de seu contexto discursivo. Contexto é fonte de sentido. O autor agora trata os gêneros textuais como elementos tipicamente discursivos. Oferece o seguinte diagrama representacional da nova concepção em oposição à anterior:


          Adam identifica o texto como objeto concreto, material e empírico resultante de um ato de enunciação. Com isto, dar conta do textual (o particular) e do discursivo (o universal) não pode ser feito num mesmo movimento teórico, tornando-se complicada a separação entre as duas dimensões. Assim, Marcuschi (2008) retoma a abordagem de Coutinho, para quem parece que a melhor articulação para tratar de textos empíricos seria entre texto, discurso e gênero. 
          O discurso como “objeto do dizer” é visto como “prática linguística codificada, associada a uma prática social (socioinstitucional) historicamente situada”. (Coutinho 2004:32) . É o uso interativo da língua.
A ideia do texto como “objeto de figura” indica uma configuração, uma esquematização que conduz a uma figura. O autor esclarece, o texto é o observável, o fenômeno linguístico empírico que apresenta todos os elementos configuracionais que dão acesso aos demais aspectos da análise.
          Entre discurso e texto está o gênero, que é visto como prática social e prática textual-discursiva. Como diz Coutinho (2004), gêneros são modelos correspondentes a formas sociais reconhecíveis nas situações comunicacionais em que ocorrem. Sua estabilidade é relativa ao momento histórico-social em que surge e circula. O gênero apresenta dois aspectos importantes:
(a) Gestão Enunciativa: escolha dos planos de enunciação, modos discursivos e tipos textuais.
(b) Composicionalidade: identificação de unidades ou subunidades textuais que dizem respeito à seqüenciação e ao encademento e linearização textual.
          Assim, para Coutinho, “o gênero prefigura o texto e o gênero define o que no texto empírico faz a figura do texto.” Com isto, Marcuschi (2008) expõe que o texto se ancora no contexto situacional. Ele concerne às relações semânticas que se dão entre os elementos no interior do próprio texto. Portanto, um texto tem relações situacionais e co-textuais.
         As relações co-textuais se dão entre os próprios elementos internos como: concordância, anáforas, relações sintáticas e etc. Sem língua não há texto. Contudo, sem a situacionalidade e sem a inserção cultural, não há como interpretar um texto. Para melhor ilustrar o autor parafraseia Kant “a língua sem contexto é vazia e o contexto sem língua é cego.”
         O autor indica que não se pode produzir ou entender um texto considerando apenas a linguagem. O nicho significativo do texto e, da própria língua, é a cultura, a história e a sociedade. Por isso um texto pode ter várias interpretações.
        Recorre a observações de Halliday/Hassan (1976) em que texto e frase (enquanto entidades linguísticas), não diferem apenas no tamanho do objeto linguístico, mas na natureza desse objeto. Quando se diz que uma frase é coesa, tem-se a ideia de que ela é bem estruturada sintaticamente, mas quando se fala que um texto é coesivo, pensamos que a sua tecitura é comunicativa e compreensiva. Texto e estrutura são fatos linguísticos diversos. A textura emerge um sujeito histórico e dialogicamente construído na relação com o outro, ao passo que na frase não há esse sujeito.
        Para Marcuschi (2008) o texto é a unidade máxima de funcionamento da língua. É uma unidade funcional (de natureza discursiva). Pode-se ter um texto de somente uma palavra, como por exemplo na placa de trânsito: PARE. Não é o tamanho físico que faz um texto, mas a discursividade, inteligibilidade e articulação que ele põe em movimento. Isto exposto, defende que os textos funcionam basicamente em contextos comunicativos, o que os determina como língua em funcionamento.
         O autor apresenta a seguinte indagação(2008:89): “podemos distinguir entre um texto e um não-texto? Quando sabemos que um conjunto de enunciados não forma um texto? Como resposta, o autor discute a textualidade em que:
 Texto é um evento cuja existência depende de que alguém processe o seu contexto. Dá-se na atividade enunciativa e não na relação de signos.
  Situa-se num contexto sociointerativo e satisfaz um conjunto de condições que conduz cognitivamente à produção de escritos.
 A sequência de elementos linguísticos será um texto na medida que consiga oferecer um acesso interpretativo, algo socio-comunicativo relevante para a compreensão.
Dessa forma, por exemplo, uma lista telefônica só será um texto para uma pessoa que vive em uma sociedade em que o telefone seja usado e que ela saiba como manuseá-la, ou seja, um determinado artefato linguístico pode ser um texto para alguém e não ser um texto para outra pessoa.
          Uma configuração linguística só é um texto quando consegue provocar sentido. Se eu não falo russo, algo escrito nessa língua não será um texto para mim, mas será um texto para quem domina esse código. Marcuschi (2008) considera que os problemas ortográficos ou sintáticos não atrapalha a compreensão se o texto estiver inserido num cultura e circular entre indivíduos que a dominam. A textualidade não depende de regras sintáticas ou ortográficas e sim das condições cognitiva e discursiva.
          Um texto se dá numa complexa relação interativa entre a linguagem, a cultura e os sujeitos históricos que operam nesses contextos. O autor define o sujeito numa esfera social que se apropriou da linguagem ou que foi apropriado pela linguagem e a sociedade em que vive. Determina-os como sujeitos históricos, sociais, integrados numa cultura e numa forma de vida.
          Marcuschi (2008) aborda ainda questões relativas aos processos de textualização. Existem, segundo o autor, dois meios de acesso ao texto. O primeiro é o acesso cognitivo pelo aspecto mais estritamente linguístico representado pelos critérios da co-textualidade (o intratexto) e o acesso cognitivo pelo aspecto contextual exigindo conhecimentos de mundo e outros.
          A co-textualidade diz respeito aos conhecimentos linguísticos e envolvem os seguintes critérios: coesão e coerência. Enquanto que a contextualidade considera a aceitabilidade, a informatividade, a situaconalidade, a intertextuliadade e a intencionalidade. Para o autor esses critérios são ricos e mostram quão rico é um texto em seu potencial para conectar atividades sociais, conhecimentos de mundo e conhecimentos linguísticos.
          Discute, ainda, as temáticas da organização tópica e do processo referencial. Elas são tratadas de forma a marcar que o tópico e o referente não são entidades a priori, mas objetos discursivos construídos na interação.
           Isto posto, Marcuschi (2008) direciona a sua análise para os gêneros textuais no ensino de Língua.  Indica que o estudo dos gêneros não é novo, mas está na moda. O que hoje se tem é uma nova visão do mesmo tema. Atualmente, a noção de gênero já não mais se vincula apenas à literatura, mas como ele expõe (2008: 147) “para referir uma categoria distintiva de discurso de qualquer tipo, falado ou escrito, com ou sem aspirações literárias”.
           Marcuschi,  na fala de Carolyn Miller (1984), define que os gêneros são uma “forma de ação social”. Um “artefato cultural” importante como parte integrante da estrutura comunicativa de nossa sociedade. Nesse sentido, há muito a discutir e tentar distinguir as ideias de que gênero é: uma categoria cultural, um esquema cognitivo, uma forma de ação social, uma estrutura textual, uma forma de organização social, uma ação retórica. Isso dá a noção de quão complexa é a questão e justifica a falta de trabalhos sistemáticos que dessem conta do problema.
          Conforme Miller o estudo dos gêneros textuais é hoje uma fértil área interdisciplinar, com atenção especial para a linguagem em funcionamento e para as atividades culturais e sociais. Desde que não concebamos os gêneros como modelos estanques nem como estruturas rígidas, mas como formas culturais e cognitivas de ação social corporificadas na linguagem, somos levados a ver os gêneros como entidades dinâmicas, cujos limites e demarcação se tornam fluidos.
          Marcuschi aponta a existência de várias tendências no tratamento dos gêneros textuais e introduz Bakhtin (2008: 152) como “um autor que apenas fornece subsídios teóricos de ordem macroanalítica e categorias mais amplas, pode ser assimilado por todos de forma bastante proveitosa.”
          O autor defende a tese de que a comunicação verbal só é possível por algum gênero textual e completa (2008:154): “isso porque toda a manifestação verbal se dá sempre por meio de textos realizados em algum gênero.” Esta é a questão central adotada pelo autor. Em consequência, faz-se necessário a exposição de alguns conceitos estabelecidos por ele para fundamentar seus próximos dizeres:
         Tipo textual: designa uma espécie de construção teórica definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, estilo). O tipo caracteriza-se muito mais como sequências linguísticas (retóricas) do que como textos materializados; a rigor, são modos textuais. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. O conjunto de categorias para designar tipos textuais é limitado e sem prelúdio a aumentar. Quando existe a predominância de um modo num dado texto concreto, dizemos que esse é um texto argumentativo ou narrativo etc.
         Gênero textual : são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. São entidades empíricas em situações comunicativas e se expressam em designações diversas, constituindo em princípio listagens abertas. São formas textuais escritas ou orais bastante estáveis, histórica e socialmente situadas. Exemplos: telefonema, sermão, carta pessoal, carta comercial, resenha, cardápio de restaurante, bate-papo por computador etc.
          Domínio discursivo: não abrange um gênero em particular, mas dá origem a vários deles. São práticas discursivas nas quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais que às vezes lhe são próprios ou específicos como rotinas comunicativas institucionalizadas e instauradoras de relações de poder (discurso jurídico, discurso jornalístico, discurso religioso etc.).
           Para defender essas posições, Marcuschi admite, com Bajhtin (1979) que todas as atividades humanas estão relacionadas ao uso da língua efetivadas nos enunciados (orais e escritos) “concretos e únicos, que emanam dos integrantes de uma ou de outra esfera”. Com isto, o autor esclarece que  não se pode tratar o gênero de discurso isoladamente, considera-se  sua realidade social e sua relação com as atividades humanas.
            Ressalta que os gêneros e tipos não são opostos, não formam uma dicotomia. São complementares e integrados, formas constitutivas do texto em funcionamento. O autor postula (2008:159):
“Gêneros não são entidades formais, mas sim entidades comunicativas em que predominam os aspectos relativos a funções, propósitos, ações e conteúdos. A tipicidade de um gênero vem de suas características funcionais e organização retórica”
          Segundo Carolyn Miller (Apud Marchuschi 2008):
“os gêneros são formas verbais de ação social estabilizadas e recorrentes em textos situados em comunidades de práticas em domínios discursivos específicos. Assim os gêneros de tornam propriedades inalienáveis dos textos empíricos e servem de guia para os interlocutores, dando inteligibilidade às ações retóricas.”
          Por serem sócio-históricos e variáveis, tornou-se muito difícil fazer uma classificação de gêneros, o que deixou de ser preocupação dos estudiosos. Como nos alerta Marcuschi (2008), hoje procura-se explicar como eles se constituem e circulam socialmente e que é possível distinguir regimes de produção  textual no contexto da interdiscursividade.
          Os gêneros são atividades discursivas socialmente estabilizadas que se prestam aos mais variados tipos de controle social e até mesmo ao exercício de poder.  O autor esclarece que a partir da constitiução do ser como social encontramos-nos envolvidos em uma máquina sociodiscursiva. Isto posto, verifica-se o gêneto textual como instrumento desta máquina, como exemplo analisamos quem pode expedir um diploma, um porte de arma, uma carteira de identidade e assim por diante.
          Diante da diversidade de aspectos que envolvem o gênero, Marcuschi (2008) levanta a questão do suporte de gêneros textuais.  Equivocam-se os manuais quando falam no dicionário como portador de gênero, pois ele próprio é um gênero. Enquanto que a embalagem é um suporte e não um gênero. A ideia central é que o suporte não é neutro e o gênero não fica indiferente a ele.
          O suporte é imprescindível para que o gênero circule na sociedade e deve ter alguma influência na natureza do gênero suportado. Assim, o autor (2008:174) define “como suporte de um gênero um locus físico ou virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto.”
          É muito difícil contemplar o contínuo que surge na relação entre gênero, suporte e outros aspectos, pois não se trata de fenômenos discretos e não se pode dizer onde um acaba e outro começa. O suporte firma ou apresenta o texto para que se torne acessível de certo modo e, não deve ser confundido com o contexto nem com a situação, nem com o canal em si, nem com a natureza do serviço prestado
          O outdoor, durante muito tempo foi classificado como gênero porém, hoje é claramente identificado como suporte público para vários gêneros, com preferência para publicidades, anúncios, propagadas, comunicados, convites, declarações, editais etc.
         Marcuschi (2008) apresenta dois tipos de suporte: os convencionais típicos ou característicos, produzidos para esta finalidade (faixas, folder, jornal etc.) e os incidentais que podem trazer textos, mas não são destinados a esse fim de modo sistemático, nem na atividade comunicativa regular (meios de transporte em geral, fachadas, roupas e etc.).
          Faz-se necessário mencionar os serviços em função da atividade comunicativa. Esses não devem ser situados entre os suportes textuais, sejam os incidentais ou convencionais, mas sim como SERVIÇOS, como por exemplo correio, internet etc.
          Outro aspecto dos gêneros é a análise na oralidade, a relevância da investigação dos gêneros textuais reside no fato de serem usados pelos participantes da comunicação linguística como parte integrante de seu conhecimento comum.
          Um gênero seria uma noção cotidiana usada pelos falantes que se apóiam em características gerais e situações rotineiras para identificá-lo. Tudo indica que existe um saber social comum pelo qual os falantes se orientam em suas decisões acerca do gênero de texto que estão produzindo ou que devem produzir em cada contexto comunicativo.
         Gülich (Apud Marcuschi, 2008) afima com base nestes conhecimentos que os interlocutores especificam o gênero de texto que estão sendo produzidos durante sua fala. Os gêneros são modelos comunicativos, servem muitas vezes para criar uma expectativa no interlocutor e prepará-lo para determinada reação.
          Assume que os gêneros textuais não são fruto de invenções individuais, mas formas socialmente maturadas em práticas comunicativas na ação linguageira. Também poderia ser estabelecida uma certa correlação entre gêneros textuais e formas de condução dos tópicos discursivos. E, como os gêneros textuais não só refletem, mas constituem as práticas sociais, supõe-se que também haja variações culturalmente marcadas quanto às formas produzidas, já que as culturas são diversas em sua constituição.
          É importante verificar como dá-se a análise de gêneros textuais na relação fala e escrita. Para Marcuschi (2008:191):
“Aspecto central nesta questão é a impossibilidade de situar a oralidade e a escrita em sistemas linguistícos diversos, de modo que ambas fazem parte do mesmo sistema da língua. São realizações de uma gramática única, mas do ponto de vista semiológico, podem ter peculiaridades com diferenças bem acentuadas, de tal modo que a escrita não representa a fala. Portanto, não postulamos uma simetria no aspecto central das articulações estritamente linguísticas.”

           A abordagem dos gêneros emergentes na mídia virtual e o ensino merecem atenção especial do autor. Crystal (apud Marcuschi 2008) escreveu em seu livro: A linguagem e a internet, sobre “o papel da linguagem na internet e o efeito da internet na linguagem”. Para ele três aspectos podem ser frisados:
1) Linguagem: pontuação minimalista, ortografia bizarra, abundância de abreviaturas não convencionais, estruturas frasais pouco ortodoxas e escrita semi-alfabética.
2) Natureza enunciativa: integram-se mais semioses que o usual.
3) Gêneros realizados: transmuta alguns gêneros existentes e desenvolve alguns novos. Todos os gêneros ligados à internet são gêneros textuais baseados na escrita.
          Ainda segundo Crystal (2001), o discurso eletrônico pode ser considerado em estado selvagem e indomado sob o ponto linguístico e organizacional. O estado de anonimato dos bate-papos favorece o lado instintivo, desde a escolha do apelido até as decisões linguísticas, estilísticas e liberalidades quanto ao conteúdo.
          Isto posto, Marcuschi postula que a comunicação mediada por computador abrange todos os formatos de comunicação e os respectivos gêneros que emergem nesse contexto. Analisa de modo particular, um conjunto específico de novos gêneros textuais, desenvolvidos no contexto da mídia virtual. É importante tratar esses gêneros textuais por, pelo menos, quatro aspectos:
(a) gêneros em franco desenvolvimento e fase de fixação cada vez mais generalizados;
(b) apresentam peculiaridades formais próprias, não obstante terem contrastes em gêneros prévios;
(c) oferecem a possibilidade de se rever alguns conceitos tradicionais a respeito da textualidade;
(d) mudam sensivelmente nossa relação com a oralidade e a escrita, o que nos obriga a repensá-la.
            Os gêneros textuais mais utilizados, segundo o autor, são os e-mails, chats, listas de discussão e weblogs. Em todos eles a comunicação se dá pela linguagem escrita, mas a escrita tende a ser mais informal, com menor monitoração e cobrança pela fluidez do meio e rapidez do tempo.
             Diante de tudo isso, Marcuschi (2008: 203) apresenta a seguinte indagação: “que tipo de prática social emerge  com as novas formas de discurso virtual pela internet? Pode-se chamar de letramento digital, como foi inicialmente sugerido?” O autor afirma que ainda é cedo para tanto, contudo, permite-se dizer que tem-se novas situações de letramento cultural.
            Um outro aspecto a ser analisado é o questionamento sobre a existência de algum gênero  ideal para tratamento em sala de aula. Há gêneros mais adequados à leitura do que outros e há outros que são mais adequados à produção, pois em determinados momentos somos confrontados apenas com um consumo receptivo e em outros casos temos que produzir os textos.
          Verifica-se que há muito mais gêneros na escrita do que na fala, devido ao papel que a escrita desempenha em nossa sociedade: nas tarefas diarias, no comércio, na indústria e produção do conhecimento. Tudo isso, tende a diversificar de maneira acentuada as formas textuais utilizadas. Além da diversidade textual, ainda temos a visão de Bakhtin(Apud Maruschi 2008) que aponta os gêneros textuais como esquemas de compreensão e facilitação da ação comunicativa interpessoal. A distribuição da produção discursiva em gêneros tem como correlato a própria organização da sociedade, o que nos leva ao núcleo da perspectiva. Por isso, Marcuschi (2008) indica que não há gêneros textuais ideais para o ensino. Aponta que é provável que se possam eleger gêneros com dificuldades progressivas, do nível menos formal ao mais formal, do mais privado ao mais público e assim por diante.
          Bastante pertinente é a reflexão que Marcuschi abre com base em Dolz e Schneuly (apud Marcuschi 2008), para o “ensino por sequências didáticas”. Para eles as sequências didáticas são instrumentos que podem guiar professores, propiciando intervenções sociais, ações recíptocas dos membros dos grupo e intervenções formalizadas nas instituições escolares, tão necessárias para a organização da aprendizagem em geral e para o progresso de apropriação de gêneros em particular.
          O modelo de trabalho em sequências didáticas de Joaquim Dolz, Michèle Noverraz e Bernard Schnewly para o ensino de gêneros nas séries fundamentais têm um caráter modular e levam em conta tanto a escrita como a oralidade.
          Centraliza-se a ideia de que devem criar-se situações reais contextualizadas que permitam reproduzir a situação concreta de produção textual incluindo sua circulação, ou seja, privilegiando o processo de relação entre produtores e receptores.
           A sequência didática é definida pelo autores comum um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual ou escrito e a finalidade de trabalhar com sequências didáticas é proporcionar ao aluno um procedimento de realizar todas as tarefas e etapas para a produção de um gênero.

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